COLETAR
DADOS
O processo de coletar dados é a etapa do ritual de
investigação que vai prover o grupo de investigação de evidências, que auxiliam
no entendimento do que ocorreu na deflagração do incidente e de como este se
desencadeou.
Continuando
a sequência do ritual de investigação de incidentes:
O
ritual de aprendizado com o incidente
A
partir deste entendimento é que será possível identificar as causas. As
evidências podem ser agrupadas da seguinte maneira:
ü Relatos
de testemunhas;
ü Fotografias
e vídeos obtidos na cena do incidente;
ü Evidências
físicas relativas a equipamentos, ferramentas, materiais, instalações;
ü Medições
relativas a variáveis de processo e de condições do ambiente;
ü Inspeções
e testes em equipamentos, instalações realizadas após o incidente, inclusive em
EPI;
ü Documentos
e registros, tais como procedimentos, manuais, instruções de operação e de
manutenção, relatórios de inspeção, relatórios de manutenção, relatórios de
operação, laudos técnicos, diagramas de processo, diagramas elétricos,
hidráulicos, diagramas lógicos, provas de qualificação e de capacitação, folhas
de especificações, fichas de segurança de produtos químicos, registros de
presença, análises de risco, relatórios de investigação de incidentes
anteriores, relatórios de auditorias etc.;
ü Se
possível, simule a situação e a ocorrência do evento.
Certamente, durante o planejamento da
investigação do acidente, a coleta das evidências consideradas pertinentes a
partir da análise do cenário do incidente já foi considerada, indicando que
evidências devem ser buscadas. Deste modo, neste processo apresentamos algumas
orientações de como prover a coleta dos diversos tipos de evidências.
No processo de coletar dados é muito útil que seja
construída o que denominamos de “linha do tempo”. A linha do tempo é uma
descrição cronológica de fatos que antecedem a ocorrência do
incidente. É sabido que, na maioria dos eventos que resultam em óbito ou
lesões incapacitantes, o foco da linha do tempo é de natureza ocupacional e,
portanto, procura-se descrever a cronologia dos fatos na execução da tarefa e
da rotina do acidentado, normalmente em um horizonte de 72 horas que
antecederam o incidente.
No caso de eventos catastróficos, normalmente a
abordagem é de segurança de processo e, neste caso, a linha do tempo pode ter
uma extensão maior como, por exemplo, desde a última manutenção, última parada,
último lote de produção, última modificação do processo de produção, etc.
A linha do tempo pode ser descrita nominalmente em uma
sequência lógica ou representada em um diagrama de blocos. A construção da
linha do tempo ajuda na identificação de fatos, situações e ou condições
não visíveis inicialmente ou não diretamente relacionadas com o evento ou ainda
externas ao ambiente no qual o evento ocorreu e que possam ter relação causal
com o incidente. Estas evidências constituem normalmente, a parte submersa
do iceberg. Para vê-las e compreendê-las precisamos estar dispostos a
mergulhar no cenário e nos fatos que podem ser conectados à ocorrência
investigada.
Figura
1– Processo de coleta de dados
Coletar dados é um processo interativo que pode se
estender em paralelo aos outros processos, parte do ritual da investigação,
especialmente durante a etapa de organização e análise dos dados. À
medida que a análise vai sendo conduzida, as lacunas de dados ficam aparentes,
exigindo que evidências adicionais sejam coletadas. Este ciclo pode se repetir
várias vezes antes que a equipe tenha certeza de que as causas foram
identificadas e que são justificadas pelas evidências.
Coleta
de relatos de testemunhas
Escutar é uma habilidade fisiológica. Entretanto,
escutar é muito diferente de ouvir. Ouvir compreensivamente significa ir além
das palavras que o outro está emitindo, significa tentar entrar no seu mundo,
incluindo na compreensão de quem ouve, as crenças, valores, dificuldades,
habilidades e sentimentos de quem fala. A coleta de relato das testemunhas é um
exercício do “ouvir”.
É preciso estar atento ao significado do que o outro
está dizendo, para que se possa ir além das palavras, de modo que, além de
escutar, se possa compreender o verdadeiro significado do que o outro está
transmitindo. Para que seja possível ampliar a compreensão sobre os relatos é
importante também estar atento às informações não verbais, como postura,
tom de voz, olhar, ritmo da comunicação, entonação, movimentos etc.
É preciso estar atento ao significado do que o outro
está dizendo, para que se possa ir além das palavras, de modo que, além de
escutar, se possa compreender o verdadeiro significado do que o outro está
transmitindo.
O exercício da escuta compreensiva é realizado na
medida em que o ouvinte permite que seu cérebro silencie os julgamentos e se
prepare para rebater o que está sendo comunicado, buscando justificativas e
argumentos para comprovar sua tese. Não é fácil, mas é possível. Significa
colocar-se no lugar do outro e percorrer seus caminhos mentais, sua lógica
particular, assumir seus valores e crenças pessoais, sem, necessariamente, ter
o compromisso de concordar com suas premissas ou suas conclusões.
Ao fazer entrevistas, amplie sua escuta para
ouvir com compreensão. Ao se comunicar com alguém é preciso lembrar que
entre o que é dito e o que é ouvido existe uma grande distância. Quando a
mensagem é decodificada pelo receptor, ele insere seus sentimentos, crenças,
valores, vivências, expectativas, medos, desejos, conhecimentos e
desconhecimentos na fala do emissor.
Portanto, é preciso mais do que comunicar; é
necessário verificar a compreensão do outro sobre o que se está tentando
transmitir e vice-versa. É possível solicitar ao outro que diga o que
compreendeu da informação que está sendo transmitida. Este exercício simples
pode melhorar significativamente a qualidade da comunicação e, consequentemente
da coleta de dados através da entrevista com as testemunhas.
Estar atento a si é muito importante, mas é necessário
também estar atento ao outro e ao ambiente. Encontrar o momento e o
local mais adequado para realizar a entrevista pode ser fator diferencial no
sucesso da entrevista com as testemunhas. Estar atento à pessoa com quem se
comunica pode reduzir muito as falhas em entrevistas com testemunhas.
Uma das falhas mais comuns é o não ajuste da comunicação em relação às
características do ouvinte. É preciso estar atento às diferenças entre as
pessoas e utilizar um tipo de comunicação adequado para cada tipo de pessoa e,
desta forma, aumentar a probabilidade de que o outro compreenda e que você seja
compreendido. Isto inclui atenção à adequação do ambiente (local, horário,
ruído, outros ouvintes etc.) no qual as entrevistas com as testemunhas são
conduzidas.
As evidências humanas são frequentemente as mais
reveladoras, mas também as mais frágeis e voláteis. Os registros de
memória das testemunhas se perdem rapidamente nas primeiras 24 horas após um
evento ou acontecimento traumático.
Portanto, as testemunhas devem ser selecionadas,
localizadas e entrevistadas rapidamente. Utilize a classificação das
testemunhas acima apresentada para priorizar as entrevistas, começando pelas
testemunhas principais e as oculares que são aquelas que possuem os fatos que
podem ajudar na identificação das causas.
Um aspecto particular na coleta de dados através de entrevistas
é o cuidado que se deve ter na abordagem e na linguagem, pois o
entrevistador pode intimidar as testemunhas dependendo de como as mensagens não
verbais são interpretadas. Há quem prefira fazer entrevistas coletivas com
testemunhas, mas o mais comum são as entrevistas individuais, pois um bom
entrevistador consegue identificar os canais de comunicação e a abordagem
apropriada para deixar a testemunha à vontade e conduzi-la a colaborar com o
seu relato dos fatos.
Adicionalmente, ao entrevistar testemunhas, evite
fazer questões fechadas que podem ser respondidas apenas com um “Sim” ou um
“Não”.
Adote
as questões abertas como, por exemplo:
ü Onde
você estava no momento do incidente?
ü O
que você estava fazendo naquele instante?
ü O
que você viu, ouviu?
ü Quais
eram as condições ambientais (tempo, luz, ruído, poeira etc.)?
ü O
que o acidentado estava fazendo no exato momento do incidente?
ü Em
sua opinião, o que causou o incidente?
ü Como
você imagina que incidentes similares a esse possam ser evitados no futuro?
Certamente o leitor já deduziu que a condução de uma
boa entrevista depende do desenvolvimento de habilidades e certamente de um bom
planejamento das mesmas.
Coletas
de evidências físicas
As evidências físicas mais comuns, relacionadas a um
incidente, frequentemente incluem equipamentos, ferramentas, instalações,
posições de elementos, de pessoas, de controles e de outras partes de itens
físicos associados ao incidente. Normalmente, as operações utilizam produtos
químicos, combustíveis, lubrificantes e fluidos de acionamento e controle
hidráulico. A análise desses elementos pode revelar muito a respeito de
características operacionais de equipamentos e vir a constituir um fator
causal.
A coleta de fluidos para análise requer o uso de
técnicas apropriadas, assim como o seu manuseio. Ensaios físicos em materiais
podem ser necessários como, por exemplo, para avaliar resistência a impacto ou
a outros esforços.
Na prática, a coleta de evidências físicas começou nas
ações iniciais, tão logo o incidente foi identificado. No entanto, este
processo só termina quando a análise estiver concluída e as causas efetivamente
identificadas.
A fotografia é uma ferramenta valiosa na coleta de
evidências físicas. Fotos e vídeos podem identificar, registrar e
preservar evidências que não podem ser efetivamente transmitidas verbalmente ou
coletadas por outros meios. Ao utilizar fotografias é importante a inclusão de
referências padrão para ajudar a identificar dimensões, distâncias e
perspectiva. O mais usual é se colocar uma régua com escala ou algum
objeto com dimensões conhecidas, como referência. No caso do uso de vídeo
é recomendado cobrir a cena geral do incidente bem como as localizações
especificas e elementos julgados significativos para a análise dos fatos.
As
inspeções também são consideradas evidências físicas. Portanto, após o
mapeamento inicial e o registro fotográfico, uma inspeção sistemática pode ser
necessária e útil incluindo:
ü Levantamento
dos equipamentos, veículos, estruturas, etc. com objetivo de identificar algum
indício de defeito em peças e componentes;
ü Verificação
de funcionamento e ausência dos controles operacionais, instrumentos de
medição, indicadores operacionais etc.;
ü Verificação
de vazamentos de fluidos e gases e coleta de amostras para análise e ensaios.
As simulações do incidente também são consideradas
evidências e devem ser produzidas sempre que possível. Nestes casos, é viável
registrar toda a sequência em vídeo para análise detalhada posterior.
Coleta
de evidências documentais
Os documentos geralmente ajudam a identificar
evidências importantes para a identificação das causas da ocorrência.
Os documentos geralmente ajudam a identificar
evidências importantes para a identificação das causas da ocorrência. Portanto,
uma verificação detalhada das políticas, normas e especificações pode indicar
as atitudes e ações das pessoas envolvidas no incidente e revelar evidências
que geralmente não são apresentadas em testemunhos verbais.
De
maneira geral as evidências documentais podem ser agrupadas da seguinte
maneira:
ü Documentos
de controle gerencial que definem como, quando, onde e por quem as atividades
de trabalho devem ser executadas;
ü Documentos
de acompanhamento operacional que descrevem as ações tomadas durante a rotina
de trabalho em complemento aos documentos de controle gerencial;
ü Relatórios
que identificam o conteúdo e os resultados de estudos, análises, auditorias,
inspeções, avaliações e outras investigações relacionadas às atividades de
trabalho e
ü Registros
que indicam o desempenho passado e presente, o status das atividades de
trabalho, bem como de pessoas, equipamentos e materiais envolvidos.
A verificação de fatores organizacionais e seu sistema
de gestão são mandatórios na investigação dos incidentes, assim
como a verificação de requisitos legais aplicáveis.
Exemplos
típicos de documentos que devem ser verificados incluem:
ü Relatórios
e registros de produção e de manutenção;
ü Relatórios
de turnos;
ü Relatórios
de inspeções de manutenção e de segurança;
ü Procedimentos
operacionais e instruções de trabalho;
ü Análise
de tarefas e avaliação de risco;
ü Permissões
de trabalho;
ü Layout;
ü Descrição
e especificação de equipamentos e manuais de operação e de manutenção;
ü Relatórios
de treinamento;
ü Relatórios
de investigações anteriores de incidentes;
ü Banco
de dados eletrônicos;
ü Registros
de sistemas de controle e supervisão eletrônica de equipamentos e instalações;
ü Atas
de reuniões;
ü Registros
eletrônicos de equipamentos etc.
Preservar
e controlar os dados
A preservação e o controle das evidências são
essenciais para evitar a perda ou alteração, para conferir credibilidade à
investigação e para poderem ser facilmente encontradas quando necessário. Deste
modo, é recomendado que se tenha procedimentos definindo a forma de
preservação e controle dos mesmos.
Antes
de remover qualquer evidência da cena da ocorrência, é necessário adotar ações
que preservem a sua integridade tais como:
ü Registrar
o local e orientação exatos da evidência na cena utilizando medidas, anotações,
esquemas, fotografias, vídeos ou mesmo marcas indicativas no local como, por
exemplo, utilizando tinta spray;
ü Providenciar
local de armazenamento seguro para as evidências;
ü Embalar
cuidadosamente e etiquetar com clareza para identificar a evidência e sua
procedência;
ü Equipamentos
e peças que estejam com defeito, avariados, montados inadequadamente e
removidos para avaliação técnica devem ser registrados e terem seu
posicionamento identificados com mapas, croqui ou imagem mostrando a sua
posição na cena da ocorrência;
ü Itens
que tenham sido quebrados ou danificados devem ser embalados cuidadosamente
para preservar os detalhes da sua superfície;
ü Peças
frágeis devem ser acondicionadas adequadamente para preservar a sua
integridade;
ü O
cuidado ao trafegar no local de ocorrência do incidente é essencial, pois além
de evitar descaracterizar a cena do incidente pode ser perigoso pela possível
presença de material nocivo ou mesmo estruturas enfraquecidas decorrente da
ocorrência.
É essencial prover um registro
sistemático das imagens em foto e vídeo numa folha de controle descrevendo
o local, data e hora em que foram produzidas. Não é recomendado utilizar anexos
fotográficos que gravem digitalmente a data e hora na própria imagem, pois
podem tornar ilegível parte da cena do incidente ou detalhes importantes. Da
mesma forma, o uso das datas impressas no verso de fotos processadas em
laboratórios fotográficos não deve ser considerado como o registro de fotos,
pois as datas ali impressas são normalmente as datas de processamento e não a data
na qual a imagem foi obtida.
Os registros eletrônicos devem ser mantidos
organizados num local apropriado e de acesso restrito.
Os itens, peças, materiais removidos da cena do
incidente e coletados como evidências, devem ser registrados numa folha de
controle indicando também data, hora, quem coletou e onde estão guardados.
Os documentos e registros coletados devem ser
registrados em uma folha de controle indicando o tipo, a origem, o seu
propósito e a data da versão do documento, pelo menos.
O acesso às evidências deve ser controlado. Elas
devem ser disponibilizadas apenas para quem precisa examinar ou utilizar para
outro fim durante o ritual da investigação. O acesso ao local físico onde as
evidências estão armazenadas deve ser também controlado e restrito.
Os registros eletrônicos devem ser mantidos
organizados num local apropriado e de acesso restrito. As declarações das
testemunhas e informações médicas devem ser tratadas com confidencialidade e
armazenadas de modo a impedir acesso público.
Após o término da investigação, é recomendável que
todos os arquivos eletrônicos, incluindo o relatório final sejam copiados para
um CD ou outro formato de armazenamento adequado e todos os dados deletados do
computador onde a equipe de investigação estava trabalhando.
Em se tratando de um ritual e considerando que as
ações do aprendizado para com o incidente devem ser registradas, observe os
documentos e registros pertinentes a esta etapa, indicados na figura 1
No próximo artigo abordaremos a etapa 6 do ritual de
aprendizado para com o incidente, que é organização e análise dos dados
para a identificação das causas do incidente investigado.
Autor:
Reginaldo Pedreira Lapa
Engenheiro de Minas e de Segurança do Trabalho
Fonte:
Lapa, Reginaldo Pedreira. Investigação e Análise de Incidentes, Editora Edicon,
São Paulo, 2011
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