COMPORTAMENTO
SEGURO
CIÊNCIA E SENSO COMUM NA GESTÃO DOS ASPECTOS HUMANOS EM SAÚDE E SEGURANÇA NO
TRABALHO
“Ato inseguro, o grande vilão da segurança”. “O
problema é trabalhar no piloto-automático”. “É o excesso de confiança”. Frases
como esta vêm sendo ouvidas pelos trabalhadores em treinamentos de segurança,
em palestras de SIPAT, em reconstituições de acidentes e outros momentos nos
quais a grande interrogação é: como fazer com que as pessoas se cuidem no
trabalho? Geralmente a resposta para esta pergunta remete à noção de
Comportamento Seguro.
Em segurança, grandes avanços foram realizados no que
diz respeito aos aspectos ambientais, tecnológicos, legais e organizacionais e
isso fez com que os índices de acidentes fossem reduzidos de forma significativa
no Brasil e no mundo. No entanto, os acidentes ainda acontecem e isso fez com
que os prevencionistas olhassem com mais atenção, nos últimos anos, para
fatores que, até então, tinham sido pouco tratados nas práticas e programas: os
fatores humanos. Devido ao fato do Ser Humano caracterizar-se como um fenômeno
altamente complexo e de grande variância, o chamado “fator humano” tem sido
visto como uma “grande caixa preta” nas discussões a respeito de Sistemas de
Gestão de SST. Como educar as pessoas? Como comprometê-las com o processo? Como
melhorar o controle dos riscos? Como motivar para a prevenção?
O curioso desta questão é que grande parte destas
respostas já é conhecida das ciências humanas e sociais há muitas décadas. É
necessário promover a aproximação do conhecimento técnico-operacional e do
humano, aplicando-os no cotidiano das organizações de trabalho. Para a
Psicologia, o estudo da influência humana na ocorrência de acidentes de
trabalho necessita levar em conta a forma como o Ser Humano se relaciona com
seu meio de trabalho. Coleta (1991, p. 77), importante psicólogo e pesquisador
brasileiro no campo da segurança do trabalho, afirma que
“os comportamentos, as atitudes e as reações dos
indivíduos em ambiente de trabalho não podem ser interpretados de maneira
válida e completa sem se considerar a situação total a que eles estão expostos,
todas as inter-relações entre as diferentes variáveis, incluindo o meio, o
grupo de trabalho e a própria organização como um todo (…) Acidente de
trabalho, neste sentido, pode ser visto como expressão da qualidade da relação
do indivíduo com o meio social que o cerca, com os companheiros de trabalho e
com a organização”.
Tal posição aponta para a necessidade de compreender
que o comportamento humano no trabalho recebe inúmeras e simultâneas
influências, portanto não pode ser observado de maneira linear e simplista, sob
pena de sermos reducionistas.
A
Psicologia da Segurança no Trabalho
A “Psicologia da Segurança no Trabalho”, definida por
Meliá (1999) como sendo “a parte da psicologia que se ocupa do componente de
segurança da conduta humana”, é uma ciência que vem sendo desenvolvida desde a
década de 70 e é também um conjunto de técnicas (metodologia de intervenção)
que permitem compreender e agir sobre os elementos humanos da prevenção de
acidentes de trabalho com profundidade e precisão. No Brasil seu
desenvolvimento ainda é bastante discreto, sendo encontrada com maior
incidência nos EUA e na Europa.
A Psicologia da Segurança pode proporcionar
conhecimentos que complementem as práticas dos demais profissionais que atuam
em segurança no trabalho como médicos, engenheiros e técnicos, o que não
significa que interferir sobre os fenômenos psicológicos em segurança seja algo
que possa ser feito de forma efetiva por profissionais sem a devida
capacitação. Referindo-se à utilização de conceitos e técnicas da Psicologia
por profissionais de outros campos de atuação, Geller (2001) comenta que muitas
das estratégias para promover crescimento e desenvolvimento, incluindo mudanças
de atitudes e comportamentos, são acatadas com crença e otimismo por
empresários e trabalhadores porque “soam bem” e não porque são estratégias
embasadas em conhecimentos produzidos cientificamente. Propostas sem critérios
podem gerar frustrações, resistências e descrenças, pois muitas vezes, os
resultados obtidos são parciais ou então são conquistados às custas de
desgastes emocionais, relacionais e de saúde geral dos trabalhadores
(principalmente aqueles colocados nos mais baixos níveis hierárquicos, o famoso
“chão de fábrica”). Nestes casos, o que foi criado e implementado para promover
a saúde utilizando como meio a “mudança de comportamento” passa a ser causa de
sofrimento para os envolvidos. Sofrimento suportado em silêncio, muitas vezes,
pela necessidade de preservação do emprego.
Dejours (1999) e Geller (2001) consideram que
expressões como fator humano, comportamento, e atitudes, além de serem
utilizadas muitas vezes como sinônimo de Psicologia (o que não é verdade),
funcionam como um verdadeiro “condensado de psicologia do senso comum”.
Exemplos destas distorções são alguns tipos de programas de incentivos (com
brindes e sorteios), as “sessões de tragédias” (apresentações de vídeos e fotos
de acidentes de forma sistemática como forma de conscientizar), treinamentos e
cursos com alta carga horária e didática inadequada. Estratégias como estas
acabam por promover aprendizagens inadequadas, fazendo com que o trabalhador
fique mais interessado em ganhar um boné ou um sorteio de DVD do que se comprometer
para garantir sua integridade na saída da fábrica. A saúde e a qualidade de
vida é que são os verdadeiros ganhos no processo de prevenção.
Considerando que a noção de comportamento tem sido
amplamente utilizada em programas e ações de segurança em empresas brasileiras
e estrangeiras, recebendo até o nome de “Segurança Comportamental”, é
importante refletir sobre o que de fato tem sido tratado por essas estratégias.
O
conceito de Comportamento Seguro
O que separa os equipamentos modernos, as orientações
dadas nos treinamentos, as normas e procedimentos de trabalho, os sistemas de
gestão, do comportamento cotidiano dos trabalhadores?
Meliá (1999), ao examinar a contribuição da Análise do
Comportamento para a prevenção de acidentes, afirma que sua aplicação à
segurança já é conhecida (McAfee & Winn, 1989; Peters, 1991; Johnston,
Hendricks & Fike, 1994, citados por Meliá, 1999). Ele relata que os modelos
de análise funcional da conduta permitem identificar os elementos que sustentam
as condutas inseguras e os que sustentam ou poderiam sustentar as condutas
seguras. A análise do comportamento permite descobrir que, em muitas ocasiões,
existe um desequilíbrio de contingências contrário à conduta segura e favorável
às condutas inseguras. Com relação à prevenção de acidentes, os tipos de
comportamentos destacados por profissionais da segurança são aqueles que podem
ser divididos (ainda que didaticamente) em seguros e inseguros. O adjetivo
“seguro” é utilizado para se referir àquilo que o trabalhador faz e que
contribui para a não ocorrência de acidentes. São exemplos de comportamentos
seguros comumente utilizados o uso de EPI’s, o cumprimento de normas de
segurança e o uso adequado de ferramentas e equipamentos. Da mesma forma, os
comportamentos considerados como sendo “de risco” são aqueles que contribuem
para que os acidentes aconteçam e são também chamados de “atos inseguros”.
Alguns exemplos são não usar EPI’s, não seguir padrões de segurança, utilizar
ferramentas de maneira inadequada. Assim como o acidente de trabalho é um
fenômeno multideterminado, os comportamentos relacionados com a segurança
também são considerados como determinados por múltiplas causas, internas e
externas ao indivíduo.
Um breve exame dos comportamentos comumente associados
à segurança revela a criação de um tipo de dicotomia (seguro-inseguro) na qual
as propriedades que o definem caracterizam-se pela oposição entre si (uso ou
não-uso, seguir ou não seguir, adequado ou inadequado) absolutizando suas
concepções. E é curioso observar o quanto as ações educativas em segurança
falam no comportamento de risco, no ato inseguro. A maior parte do tempo (para
não dizer todo o tempo) dos treinamentos e campanhas de segurança é utilizado
para apontar aquilo que NÃO deve ser feito. Não entre! Não deixe de ler a
norma! Não suba sem cinto! Não use o celular na direção! Será que não estamos
fazendo o processo inverso? Passamos mais tempo ensinando o trabalhador aquilo
que ele não deve do que aquilo que ele DEVE fazer, como se o Comportamento Seguro
pudesse ser reduzido simplesmente a um código de regras que dizem o que é
permitido e o que é proibido. Ele é muito mais do que isso.
O Comportamento Seguro de um trabalhador, de um grupo
ou de uma organização é definido por Bley (2004) como sendo a capacidade de
identificar e controlar os riscos presentes numa atividade no presente, de
forma a reduzir a probabilidade de ocorrências indesejadas no futuro, para si e
para os outros. É esta competência que deve ser desenvolvida e estimulada nos
processos educativos para que os comportamentos seguros sejam mais frequentes
nas frentes de trabalho. Ao trabalhador devem ser dadas condições (capacitação
e abertura) para PENSAR, SENTIR e AGIR considerando os riscos aos quais está
exposto e as melhores formas de controlá-los. Coerência entre pensamento,
sentimento, ação e objetivo final é o que se chama popularmente de consciência.
Comportamento
Seguro e Educação para a Segurança
Um estudo realizado por Bley (2004) para explorar o
que caracteriza a aprendizagem de comportamentos seguros nas atividades de
risco aponta necessidades e lacunas no processo de educação para a segurança
(no aspecto comportamental). Foram pesquisados treinamentos e palestras de
segurança que tinham como objetivo (principal ou como um deles) promover
comportamentos seguros no trabalho, realizados em duas indústrias metalúrgicas
situadas no Paraná. Dentre os procedimentos adotados para a coleta dos dados, foram
entrevistados instrutores de treinamentos de segurança (a maioria técnicos de
segurança) e os funcionários participantes dos treinamentos ministrados pelos
referidos instrutores. Abaixo podem ser observados os resultados da análise de
conteúdo das respostas à seguinte pergunta: “O que é, para você, comportamento seguro?
”. O objetivo do questionamento foi realizar dois tipos de comparação: a
primeira entre as concepções de “educadores” e “aprendizes” para identificar em
que medida houve aprendizagem, e a segunda entre todas as concepções e um
conceito científico de Comportamento Seguro.
Comparação das respostas de instrutores de treinamento
de segurança de duas indústrias metalúrgicas e funcionários participantes dos
mesmos treinamentos quando perguntados sobre o que entendem por “Comportamento
Seguro”.
Tipos de concepções sobre comportamento seguro no
trabalho Funcionários (n=20) instrutores (n=5) percentual sobre o total
Funcionários Percentual sobre o total Instrutores.
ü Trabalhar
com cuidado e atenção 10 0 18% –
ü Obedecer
às normas de segurança 8 4 15% 40%
ü Ter
atitude consciente e agir com bom senso 7 2 14% 20%
ü Trabalhar
com foco na segurança 6 2 12% 20%
ü Usar
EPI e EPC 4 1 7% 10%
ü Não
cometer “atos inseguros” 4 0 7% –
ü Saber
trabalhar sob pressão e receber críticas 3 0 5% –
ü Cuidar
dos colegas 3 0 5% –
ü Conhecimento
técnico do trabalho a ser realizado 3 0 5% –
ü Analisar
os riscos das tarefas 2 0 4% –
ü Participar
de reuniões e treinamentos de segurança 2 0 4% –
ü Preocupar-se
com a própria segurança e aprender com exemplos 1 1 2% 10%
ü Nunca
a que sabe tudo 1 0 2% –
ü Total
de Ocorrências 54 10 100% 100%
Os dados da tabela apontam divergências entre o que os
funcionários e os instrutores entendem por comportamento seguro. Uma das
evidências disto é que o tipo de definição do que se entende por comportamento
seguro que mais ocorreu entre os funcionários (“trabalhar com cuidado e
atenção”) não foi sequer indicado pelos instrutores em nenhuma proporção. O que
os instrutores e funcionários consideram como significado de “comportamentos
seguros” é divergente entre si e também está distante do conceito. Além disso,
os dados confirmam o alto grau de generalidade dos termos utilizados tanto por
instrutores quanto por funcionários para definir o conceito, o que permite
afirmar que há pouca clareza sobre as propriedades que caracterizam o
comportamento seguro, e isso pode causar prejuízo ao processo de capacitação
das pessoas para prevenir acidentes de trabalho. Se os instrutores não são
capazes de definir com precisão as propriedades essenciais do tipo de
comportamento que devem ensinar, há grande chance de não se obter o resultado
esperado do treinamento. Nos casos estudados, considerando a análise do
comportamento e os princípios do processo ensino-aprendizagem, é improvável que
os funcionários que participaram dos treinamentos passem a se comportar de
forma segura.
Ao comparar as categorias apresentadas e os
pressupostos do conceito de Comportamento Seguro é possível perceber que boa
parte delas não tem correspondência direta com uma conduta preventiva na
realização de atividades. Nenhuma das categorias acima, ao ser comparada com
“identificar e controlar riscos da atividade…” apresenta sozinha todas as
características necessárias para compor a competência “comportar-se de forma segura”.
Um trabalhador pode “usar EPI” porque alguém mandou e não porque ele é capaz de
identificar e controlar os riscos de sua atividade. O fatores consciência,
capacidade de análise e de escolha ficam de lado nesta situação. No caso do uso
por obediência, é possível que na hora que aquele que mandou sair de cena, o
sujeito retire o EPI pois não faz sentido para ele utilizar o equipamento.
Treinamentos, cursos, palestras, procedimentos e
políticas são importantes estratégias para a promoção da mudança de
“comportamentos de risco” para “comportamentos seguros”. Para isso é preciso
que se tenha clareza de quais são os comportamentos de risco existentes, quais
os comportamentos seguros que se deseja estimular, o que faz com que as pessoas
ajam desta forma, e o que é preciso fazer para tornar a mudança desejável pelas
pessoas. Sem considerar isso, as ações pouco podem fazer frente à força que as “coisas
como sempre estiveram” impõe no sentido contrário da mudança. Essa trama
complexa de relações (que é invisível aos olhos à primeira vista) pode ser a
responsável pelo insucesso de ferramentas de conscientização em segurança, que
atingem seus objetivos num primeiro momento, mas após um período de tempo,
permitem que os problemas considerados ultrapassados voltem a ocorrer.
Diálogos de segurança, abordagens de conscientização,
palestras, treinamentos, cartazes e campanhas são amplamente apresentados como
“ações educativas” aos trabalhadores, mas nem sempre surtem o efeito desejado.
Em muitos casos, parecem ter sido concebidos para “dar ordens” ou “alertar”, no
lugar de “educar” o seu público de interesse. São coisas diferentes: “dar
ordens” e “educar”. Mensagens como “use o cinto”, “previna-se”, “cumpra os
procedimentos”, assim como imagens de olhos perfurados por pregos, pessoas
queimadas, carros destruídos acompanhados por sangue no asfalto, são algumas
das estratégias utilizadas na tentativa de modificar a postura do trabalhador
no que diz respeito à própria segurança. A continuidade das ocorrências indica
o inexpressivo resultado desse tipo de atuação. Não há dúvida de que
consciência, informação, conhecimento e trocas de experiências são meios que podem
favorecer a aprendizagem para a prevenção, não só no contexto da segurança do
trabalho, mas também no trânsito, nas propagandas contra o abuso de drogas ou
contra a transmissão do vírus da AIDS.
Percepção
de Risco
Partindo do entendimento de que o Comportamento Seguro
é definido por “identificar e controlar riscos…”, a Percepção de Risco tem um
importante “status” nas recentes pesquisas em Psicologia da Segurança no
Trabalho. Este conceito é tido como mais um elemento importante para a
compreensão dos aspectos psicossociais relacionados à prevenção dos acidentes
de trabalho. Na prática há uma evidente lacuna por parte das organizações por
não buscarem conhecer o nível em que se encontra a percepção de risco dos
trabalhadores de seus quadros.
Para explorar o conceito de percepção de risco é
preciso lembrar que o contato que o ser humano estabelece com o mundo externo é
mediado pelos seus sentidos (tato, olfato, audição, gustação, visão), por meio
dos quais os dados da realidade são recebidos e ganham significados. O processo
de receber e converter o estímulo externo é chamado de sensação. Já o processo
de atribuição de sentido à informação recebida é chamado de percepção.
Em prevenção o processo perceptivo é fundamental uma
vez que, quando lidamos com preservação da saúde, estamos vinculados à
capacidade das pessoas de se relacionar com os perigos de forma cuidadosa,
evitando danos à integridade física e psíquica dos indivíduos, isto é, prevenir
acidentes e doenças.
A percepção de risco diz respeito à capacidade da
pessoa em identificar a frequência na qual está exposta a situações ou
condições de trabalho que possam causar dano (perigos) e reconhecer os riscos
que este oferece, não só na sua atividade imediata, mas também em todo o
contexto de trabalho. Olhar sempre para a frequência e deixar a probabilidade
de lado neste momento, possui uma justificativa importante, como é possível
perceber no exemplo que segue:
Exemplo prático: um profissional que trabalha numa
fábrica de explosivos e que, durante sua rotina, vai poucas vezes a área
industrial, mantendo-se 95% do tempo no escritório. É de praxe ele não
acreditar que possa ocorrer algo negativo, visto o pouco tempo que ele fica
exposto ao risco – isso é probabilidade. Entretanto, ele trabalha do lado de
dentro dos portões de uma indústria diariamente. Pode-se afirmar que este
trabalhador tem menor chance de sofrer um acidente do que outros que
rotineiramente trabalham na área industrial?
Logicamente, responder esta questão não é tão simples
como parece. Afinal existem outras variáveis importantes que não estão sendo
levadas em conta nesta análise, por exemplo: nível de saúde, estado emocional,
conhecimento técnico e operacional de ambos, capacidade de reconhecer os riscos
existentes, bem como a própria atitude deles neste ambiente. Assim, olhar apenas
a probabilidade decorrente do tempo de exposição distorce, muitas vezes, a
nossa percepção.
Desta forma, o processo de percepção do risco pelo
homem nem sempre é objetivo, ou quem sabe racional, mas fortemente influenciado
por fatores diversos que variam de indivíduo para indivíduo, em função de sua
estrutura mental e do seu repertório adquirido.
Por meio do mapeamento da Percepção de Risco dos
trabalhadores é possível mensurar a capacidade deles em identificar os perigos
e riscos. Na prática, é a atividade do caldeireiro na metalurgia, do engenheiro
que atua na petroquímica, do médico do trabalho que atua na indústria. Ou seja,
neste mapeamento é considerado não apenas a atividade-fim do profissional, mas
todo o entorno que compõe o cenário no qual o trabalho ocorre.
Uma das ferramentas utilizadas pela Psicologia da
Segurança no Trabalho para este mapeamento é um questionário com diversos tipos
de perigos e riscos de acidentes. Seu formato permite avaliar a percepção e a
noção de risco dos trabalhadores. Inicialmente o trabalhador constrói o seu
cenário de trabalho e, em seguida, ele identifica as situações a que está
exposto no seu dia-a-dia.
Mas afinal, para que se preocupar com a Percepção de
Risco dos trabalhadores? Muitas vezes, o trabalhador comete comportamentos de
risco por não conhecer de fato quais os perigos aos quais está exposto. Sem
esta informação (que em Análise do Comportamento recebe o nome de “estímulo
discriminativo”) dificilmente ele consegue reconhecer os riscos da tarefa,
assim a probabilidade de se expor ao perigo fica aumentada e por consequência
seus comportamentos tendem a ser inseguros. Onde o trabalhador não percebe o
risco é justamente onde ele mais se expõe aos perigos (desvios/incidentes),
aumentando o risco de suas atividades e, como consequência, têm-se as
ocorrências de acidentes.
Em última análise, quem não percebe os riscos
dificilmente tem condições de escolher o meio mais seguro de agir, pois ela é
pré-requisito para um comportamento seguro consciente (escolhido e não “por acaso”).
Alguém que não identifica os riscos da sua tarefa tem alta probabilidade de
agir de forma arriscada. Mas vale deixar claro: percepção de riscos e
comportamento seguro não são sinônimos! É possível que a pessoa perceba que
pode se machucar e escolha fazer o serviço assim mesmo. Se existir pressão
desmedida por produção, heroísmo, condições de trabalho precárias, despreparo,
o fato de perceber os riscos não levará, isoladamente, a uma mudança de
atitudes. O comportamento seguro é um resultado de fatores (internos ao
indivíduo e do ambiente de trabalho) que permitem às pessoas agir de maneira
preventiva no trabalho.
Comportamento
Seguro e sua aplicação nos Sistemas de Gestão de SST
Atualmente existem casos de práticas bem-sucedidas
acontecendo em empresas (em diversas regiões do Brasil e em outros países) que
podem demonstrar a efetividade desta modalidade técnica e científica de
compreender e atuar sobre o comportamento humano e suas interfaces sobre os
aspectos de segurança no trabalho.
Numa perspectiva de Sistemas de Gestão, os conceitos
relacionados com o chamado “Comportamento Seguro” podem ser aplicados no
sentido de potencializar (e até viabilizar) um programa amplo de Gestão de
Segurança e Saúde. Sabe-se que um dos principais desafios na implantação de um
Sistema de Gestão é o processo de comprometimento das pessoas envolvidas.
Soma-se a isto a questão do monitoramento de resultados que aparece sob a forma
de metas e indicadores para a medição do desenvolvimento do sistema como um
todo e, em especial neste caso, do aspecto humano do processo. Algumas
perspectivas de análise e aplicação permitem realizar o monitoramento do
processo no que se refere ao comportamento seguro.
Os Indicadores Humanos em segurança podem ser
classificados em duas categorias básicas: os “Proativos” e os “Reativos”, sendo
que os primeiros se referem aqueles que buscam identificar os aspectos humanos
antes do acontecimento de uma perda ou acidente de trabalho. Os reativos
integram-se aos indicadores organizacionais que medem situações que já
ocorreram como, por exemplo, o TFSA (Taxa de Frequência de acidentes sem
afastamento) ou o TFCA (Taxa de frequência de acidentes com afastamento).
Como referência para a análise de indicadores
considerados mais “Proativos” será utilizado como base o conceito de “Atitude
Preventiva”, que pressupõe que o comportamento seguro ganha status de hábito
por meio da articulação entre três dimensões do funcionamento psicológico: a
dimensão cognitiva (nível de conhecimento e informações que o trabalhador tem a
respeito das suas atividades e todas as suas interfaces numa frente de
trabalho, por exemplo), a dimensão afetiva (que é composta pelos aspectos
interiores do ser humano como suas razões pessoais para se prevenir, seu nível
de motivação, seus comportamentos encobertos como pensamentos e sentimentos, e
outros aspectos que referem-se ao elemento emocional dos trabalhadores) e por
fim, a dimensão da ação (que nada mais é do que a forma como o indivíduo
realiza o seu trabalho, é composta por aquilo que pode ser observado pelas
outras pessoas, é a prática). Retomamos, portanto a ideia de pensar, sentir e
agir.
A identificação destes fenômenos psicossociais
depende, em grande parte, da capacidade das pessoas da empresa em observar,
entender e interpretar estas informações. Entretanto, por se tratar de aspectos
de difícil observação (principalmente os cognitivos e afetivos) é essencial
levar em conta que os profissionais da organização estejam capacitados
efetivamente para a identificação de tais fatores.
Na prática, estes fenômenos podem servir de subsídios
para o desenvolvimento de práticas (e seus respectivos indicadores) quando
observados de forma sistemática.
Considerando
a divisão abaixo, somente didática, algumas maneiras de viabilizar este trabalho
podem ser:
Sobre
os aspectos Cognitivos:
1.
Nível
de aprendizagem: melhoria do nível de conhecimento obtida após as atividades
educativas. Um destaque possível para este indicador é o resultado obtido ao
final de um programa de integração ou treinamento. A empresa que realiza esta
atividade tem como prática avaliar o grau de eficácia e de aprendizagem dos
participantes do processo?
Uma alternativa viável é a aplicação de mecanismos de
verificação de aprendizagem, não só após o treinamento, mas também com alguns
meses de intervalo. Conhecimento e prevenção são aspectos que devem caminhar em
conjunto. Vale ressaltar que as empresas que possuem força de trabalho com alto
nível de analfabetismo, por exemplo, necessitarão adaptar seus programas de informação
e o instrumento de avaliação às necessidades especiais desta população. As
matrizes de treinamento devem estar alinhadas com as necessidades das pessoas
para que possam ter validade como instrumentos de desenvolvimento e avaliação
de comportamentos em segurança.
Para empresas com alto nível de complexidade em seus
processos e que tenham produtos e atividades que necessitem um alto nível de
conhecimento, recomenda-se não abrir mão deste tipo de estratégia. Ao
identificar dificuldades neste aspecto, a empresa poderá atuar de forma
preventiva na melhoria do nível de informação de suas frentes de trabalho.
2.
Acompanhamento
da aplicação de procedimentos: além dos procedimentos de segurança e
operacionais, algumas empresas utilizam sistemáticas de Permissão de Trabalho
e/ou Análise Preliminar de Risco. Um indicador essencial de aspecto humano é o
nível de compreensão que se tem destes procedimentos. Para que de fato tenha
efetividade é importante que pessoas treinadas para avaliar este processo
estejam constantemente nas áreas de trabalho acompanhando as frentes e
avaliando o entendimento acerca dos procedimentos. Procedimento lido não é
sinônimo de procedimento entendido, e nem cumprido. É necessário que as
ferramentas de análise estejam alinhadas com as propostas preventivas da
empresa.
3.
Quantidade
de horas de treinamento em segurança: não existe um nível ideal de horas de
treinamento em segurança. O ideal varia em função do nível de risco da empresa,
da cultura de segurança que ela já possui, dos objetivos que ela almeja em
prevenção. Porém este é um indicador necessário para averiguar o nível de
investimento do sistema de gestão no desenvolvimento das pessoas em segurança
no trabalho. Algumas empresas têm substituído ou acrescido em suas placas:
“Estamos há XX dias sem acidentes e com XX horas de treinamento em prevenção”.
Isso permite visualizar que estar sem acidentes não é uma obra do acaso, mas de
atuação coerente e alinhada de todos os componentes da organização.
4.
Quantidade
e Nível de Compreensão das Sinalizações de Advertência: uma boa prática é
averiguar constantemente se as pessoas têm informações “demais” ou “de menos”
sobre segurança. O excesso e a falta de informação sobre os riscos presentes no
ambiente de trabalho podem prejudicar sua efetividade. Símbolos desconhecidos,
pouco trabalhados ou já “desgastados” com a força de trabalho podem prejudicar
seu objetivo. Checar a frequência de consultas aos mapas de riscos é uma forma
de atuar nesta direção, lembrando que, em algumas empresas ele é “um quadro a
mais” pendurado na parede, em cumprimento à legislação.
Sobre
os aspectos Afetivos:
1.
Participação
em Diálogos Diários de Segurança (DDS): o olhar para este indicador não deve
ser somente o quantitativo, mas principalmente para o qualitativo. Como é a frequência
e a qualidade da participação das pessoas (assiduidade, tipos de perguntas,
identificação de oportunidades de melhoria, espaço para apresentação de
críticas, exploração dos assuntos e não só apresentação, aplicação prática dos
conhecimentos, entre outros). Monólogos de segurança tendem a servir somente ao
preenchimento da folha de presenças.
2.
Pesquisas
de Clima e Cultura de Segurança: são as formas pelas quais os hábitos, as
atitudes e os valores em segurança aparecem no cotidiano da empresa. São
indicadores de acompanhamento contínuo e que permitem à empresa conhecer a
prática e a percepção dos trabalhadores em quatro importantes aspectos do
processo de prevenção:
3- a) Forma como os líderes atuam em relação à segurança.
4-
b) Forma como os companheiros de trabalho lidam com a segurança.
5-
c) Como a pessoa reconhece seus cuidados com a segurança (grau de consciência).
6-
d) Como a pessoa percebe as ações de prevenção realizadas pela empresa.
Este conjunto de variáveis deve ser avaliado com uma periodicidade
constante e considerada no planejamento anual da área de segurança. Ele pode
ser mensurado por meio de procedimentos e instrumentos de medida já
desenvolvidos pela Psicologia da Segurança no Trabalho. Outra fonte de dados
para esta investigação é a própria pesquisa de clima organizacional (ou
ambiência) realizada pela maior parte das empresas no Brasil.
Num país no qual seus cidadãos têm seu primeiro
contato com noções básicas de segurança ao entrar em uma indústria, construir
uma “cultura de segurança” é uma tarefa que vai além dos muros da fábrica.
Trata-se de um desafio não só para os profissionais prevencionistas, mas também
para áreas como a educação, a saúde pública, os sindicatos, enfim, para toda a
sociedade.
Sobre
os aspectos da Ação:
1.
Observação
e registro de Comportamentos Seguros: este processo permite à empresa
identificar o nível de impacto dos programas de prevenção na efetiva mudança de
comportamento dos trabalhadores. Por meio de inspeções sistemáticas,
profissionais de diferentes setores da empresa (desde que adequadamente
preparados) observam e registram comportamentos seguros e comportamentos de
risco dos trabalhadores realizando orientações educativas que esclareçam o
trabalhador sobre a maneira mais segura de realizar o serviço. Os indicadores
são obtidos por meio da compilação e do tratamento das informações geradas
pelos observadores. Vale destacar que esta é uma metodologia que depende
diretamente da cultura da empresa, o que significa que sua eficácia depende de
avaliar se ela é a melhor estratégia para aquele tipo de cultura (não é
recomendável para algumas empresas) e também de um processo de treinamento
cuidadoso e preciso dos observadores.
2.
Estudos
do curso de ação ou análise do trabalho: este processo pode ser indicador da
forma como o indivíduo realiza seu trabalho integrando os conhecimentos,
orientações recebidas, habilidades, limites e potencialidades pessoais e,
principalmente, se a organização das tarefas e atividades é compatível com os
cuidados de segurança necessários (tempo, recursos, competência, carga física e
mental, entre outros).
A correta aplicação destes métodos e indicadores
humanos em segurança, quando aliados a todos os demais elementos existentes no
Sistema de Gestão de Segurança, permite uma compreensão aprimorada e
consistente do componente humano no processo de prevenção dos acidentes de
trabalho.
Vale destacar que a simples existência destes
elementos e ações não garante resultados positivos em prevenção de acidentes.
Quando falamos de “gente” precisamos levar em conta realmente que “cada caso é
um caso”. O que dá certo numa empresa provavelmente não gerará o mesmo
resultado em outra, porque as pessoas são diferentes, a cultura de segurança é
outra, o nível de desenvolvimento do Sistema de Gestão em SST é outro. Ações de
Segurança Comportamental têm como fator de sucesso a competência avançada em
identificar e analisar os fatores psicossociais de maneira adequada e
tecnicamente embasada. Profissionais que se propõem a atuar sobre o
comportamento humano devem ser devidamente capacitados para este fim, sob pena
de incorrer em graves equívocos conceituais e até problemas éticos. Hoje vemos
práticas ocorrendo em algumas empresas que contrariam os conhecimentos mais
básicos da Psicologia do Trabalho. Bom senso e ciência não correspondem ao
mesmo nível de conhecimento.
Outra consideração fundamental diz respeito a alguns
tipos de críticas produzidas sobre os processos de gestão de pessoas com foco
no comportamento. Elas normalmente acusam um caráter de manipulação de
comportamentos, de opressão dos trabalhadores sob a justificativa de “modificar
aquilo que são”. Grande parte destas críticas toma uma proposta de pesquisa e
intervenção em Psicologia (comportamental), avançadíssimo cientificamente e de
origem datada do início do século XX (quase centenário), como sendo um “meio de
adestrar e dominar pessoas”. É preciso reconhecer que os efeitos de aplicações
inadequadas deste conhecimento, tão exploradas neste artigo, realmente podem
remeter a este entendimento. Um conhecimento mais aprofundado e consistente
sobre os conceitos que compõem esta forma de pensar o comportamento humano no
trabalho certamente poderá esclarecer muitos destes “mitos”. Parece óbvio que,
se “manipular” de forma indiscriminada e decisiva o comportamento de alguém
fosse realmente possível, não precisaríamos mais de cadeias, radares nas
estradas, multas de trânsito, e educar filhos seria algo fácil e trivial.
Bastaria aplicar tudo isso numa fábrica e nunca mais teríamos um só trabalhador
acidentado em decorrência do trabalho.
E por fim, a tradicional ênfase ao “tecnicismo” que
sempre foi dada na formação dos profissionais que atuam nos ambientes
produtivos é um fator que certamente influencia na dificuldade de gerenciar as
pessoas com foco em SST. Isto porque, quando falamos de comportamentos,
atitudes, cognição, cultura, estamos falando de “gente” e não de máquinas e
equipamentos. Para que seja possível gerenciar a segurança e a saúde das
pessoas com consistência e ética é necessário desenvolver diferentes
componentes deste universo como uma formação mais “humanista” dos profissionais
(do presidente da empresa ao auxiliar de produção), normas e políticas públicas
que considerem os aspectos mais subjetivos deste processo, relações de trabalho
mais saudáveis para ambos os lados, e tantos outros. Enfim, para gerenciar
comportamento humano é preciso verdadeiramente humanizar o contexto produtivo.
Fonte. Autor(a): Juliana
Zilli Bley, Julio Cézar Ferri Turbay e Odilon Cunha Junior
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